quinta-feira, 5 de julho de 2012

Honorários advocatícios e o princípio da reparação integral aplicados no processo trabalhista

Ellen Lindemann Wother

Inobstante existam fundamentos de grande relevância para a aplicação do princípio da sucumbência no processo trabalhista referente a uma relação de emprego, o Tribunal Superior do Trabalho mantém resistência em seu entendimento de que o  pagamento de honorários advocatícios não decorre pura e simplesmente da sucumbência, consoante suas súmulas de nº 219 e nº 329.
Tendo em vista tal entendimento, operadores jurídicos, dentre os quais advogados e juízes do trabalho, passaram a defender uma outra tese, em prol do deferimento da paga de honorários advocatícios, consubstanciada em um preceito de direito civil, o da “reparação integral”.
O atual Código Civil, em seu o artigo 389, versa a respeito do inadimplemento das obrigações, e reza o seguinte:

“Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. [grifei]

Conforme muito bem observado por Alexandre Roque Pinto, se for verificado o artigo equivalente do Código Civil anterior, verifica-se que “a alusão aos honorários de advogado constituiu uma inovação”. [1]
Nessa senda, merece ser transcrito o artigo 1.056 do Código de 1916, in verbis:

“Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”, sem fazer referência aos honorários de advogado”.

O preceito da restituição integral é uma realidade que permeia a normatividade civil, tanto que o atual Código faz referência aos honorários advocatícios em outros artigos, tal como o  de nº 404, abaixo transcrito:

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Como bem explicado por Mauro Schiavi, os honorários de advogado previstos nos artigos 389 e 404 do Código Civil são dotados de natureza jurídica indenizatória, ao passo que objetivam compensar a parte do montante no crédito que despenderá com a paga de advogado particular. [2]
A inovação do novel diploma civil é o de garantir a restituição integral, que não ocorre se o devedor não tiver que arcar com os custos dos honorários advocatícios do causídico do credor, pois este não terá seu direito reparado integralmente se tiver que pagar seu causídico com parte de seu crédito.
Nesse passo, José Afonso Dallegrave Neto discorre o seguinte sobre o tema:

“[...] Não há dúvida de que a partir da vigência do atual Código Civil, os honorários de advogado são devidos como forma de prestigiar a restitutio in integrum, ou seja, salvaguardar ao lesado a indenização integral. [...] Reconheçamos, pois, que o novo direito material contempla, expressa e independentemente da sorte dos honorários sucumbenciais (jungidos ao direito processual), plenitude da indenização, há muito prejudicada pelo usual comprometimento de seu alcance diante da assunção pelo credor do aumento de seu passivo decorrente da contratação de advogado.” [3]

Outrossim, consoante o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. O entendimento mais razoável, e que mais se coaduna com os fins sociais aos quais o direito laboral se destina, é de que o princípio da restituição integral compatibiliza-se perfeitamente com os preceitos fundamentais do direito do trabalho, tais como os da proteção do obreiro e da norma mais favorável.
A jurisprudência trabalhista vem demonstrando a utilização do preceito da reparação integral para o deferimento de honorários advocatícios, em homenagem à garantia do direito material da parte que tem razão, independente de ter a causa patrocinada por advogado particular ou credenciado ao sindicato, circunstância esta que menos importa, pois o que tem relevância é que a parte vencedora sinta que as perdas e os danos que sofreu foram restituídos.
Nesse diapasão, sobreleva citar como exemplo jurisprudencial o seguinte julgado:

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. De fato, tenho entendido que permanece incólume o disposto no art. 791 da CLT, subsistindo o jus postulandi das partes no processo laboral. Assim, os honorários advocatícios são, indiscutivelmente, devidos nas hipóteses da Lei nº 5.584/70 c/c as Súmulas 219 e 329 do C. TST, OJs n° 304 e 305 da E. SDI-1-TST e Súmula 8 do E. TRT – 15ª Região, ou seja, honorários advocatícios sucumbenciais a favor do sindicato assistente, como tem sido da tradição jurídico-trabalhista. Contudo, a ciência do direito é dinâmica e o direito do trabalho não pode ficar alheio às inovações inseridas no ordenamento jurídico pátrio, bem como o direito civil há muito é fonte subsidiária do direito do trabalho, sobretudo inexistindo colisão de princípios fundamentais, conforme previsão inserta no parágrafo único do art. 8° da CLT. Portanto, com o advento do novo código civil de 2002, houve inovação acerca da abrangência da reparação pelo inadimplemento das obrigações, determinando expressamente o art. 389 do CC/02 que a indenização deve incluir juros, atualização monetária e ainda os honorários advocatícios, no mesmo sentido é a dicção do art. 404 do CC/02.Assim, considerando que houve inadimplemento de obrigações trabalhistas e, para a reparação, o reclamante necessitou socorrer-se de advogado, o qual certamente cobrará pelos serviços prestados, causando ainda mais perdas ao credor trabalhista; as reclamadas devem responder pelos honorários advocatícios, a fim de que a reparação do inadimplemento da obrigação trabalhista seja completa, cujo ideal está em perfeita sintonia com o princípio fundamental da proteção ao trabalhador.Com efeito, as reclamadas arcarão com honorários advocatícios da ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a favor do reclamante, como postulado na inicial (fl. 17), visando à recomposição integral dos prejuízos sofridos (não se trata de honorários de sucumbência). (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região – Campinas. Acórdão do Recurso Ordinário n. 00964-2007-087-15-00-3 da 6ª Turma. Decisão 041839/2009-PATR publicada no Diário da Justiça do Trabalho em 03 de julho de 2009. Disponível em: <http://www.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=957323> Acesso em 10 ago. 2009).

Ou seja, aplicação do princípio da restituição integral no processo trabalhista para o deferimento de honorários compatibiliza-se com o princípio do acesso real e efetivo do empregado à Justiça, bem como com o objetivo de restituição integral do crédito trabalhista, conforme conclui Mauro Schiavi. [4]
Cumpre citar o Enunciado nº 53 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho:

53. REPARAÇÃO DE DANOS - HONORÁRIOS CONTRATUAIS DE ADVOGADO. Os artigos 389 e 404 do Código Civil autorizam o Juiz do Trabalho a condenar o vencido em honorários contratuais de advogado, a fim de assegurar ao vencedor a inteira reparação do dano.

Insta citar o comentário do Douto Francisco Antonio de Oliveira acerca do enunciado acima referido: “deve ser levada em conta o princípio da restitutio in integrum, isto é, o causador do dano deve efetuar o pagamento não só da indenização, mas também dos acessórios processuais, v.g, custas, honorários periciais, honorários advocatícios”. [5]
Toda a análise acima apresentada aponta uma realidade: o vencedor de uma demanda trabalhista, concernente a uma relação empregatícia, tem o direito de ter a causa patrocinada pelo causídico de sua livre escolha e confiança, razão pela qual tem  direito, também, ao deferimento de honorários advocatícios, seja com fulcro no preceito da sucumbência ou no direito à restituição integral.
Nesse contexto, Francisco Antonio de Oliveira acertou ao alertar que “a exigência da realidade supera a própria norma jurídica e a ela se antecipa de há muito”. [6]
Assim, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado em sua súmula nº 219, está desatualizado, bem como apegado ao passado da Justiça do Trabalho e a pretérita legislação laboral, que foi ampliada e modernizada a tal ponto que seus destinatários, os trabalhadores, mesmo leigos, entenderam de forma mais lúcida que muitos Magistrados que o jus postulandi pode ser uma armadilha encoberta sob o manto de um direito.
Isso é tão verdadeiro, que o desuso do jus postulandi comprova o quão necessário é o advogado no processo trabalhista contemporâneo, para garantia do efetivo acesso à justiça, que torna-se absoluto e incentivado se o direito de deferimento de honorários for garantido.
Por tudo isso, enfim, que a sábia lição de Eduardo Juan Couture, destinada aos advogados, mas aproveitável por todo o tipo de operador jurídico, deve ser sempre relembrada: “teu dever é lutar pelo Direito, mas o dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça”. [7]

NOTAS:

1.                PINTO, Alexandre Roque. Honorários Advocatícios – aplicação do princípio da sucumbência ao processo do trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 73, n. 4, p. 440-450, abr. 2009. p. 447.
2.               SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 286.
3.               DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 176.
4.              SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 286.
5.               OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários às Súmulas do TST. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 751.
6.               OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários às Súmulas do TST. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 442.
7.          COUTURE, Eduardo Juan. Os mandamentos do advogado. Tradução de Ovídio A. Baptista da Silva e Carlos Otávio Athayde Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1979. p.39.